Entre 1900 e 1914,
a medicina tinha mudado muito pouco. Na Inglaterra, o controle estatal da
medicina acabava de ser instituído, com a introdução do Seguro Nacional de
Saúde para homens com rendimentos inferiores a 2 libras por semana. Em
comparação, desde o século anterior, existia um esquema de seguro médico
compulsório na Alemanha. Na Grã-Bretanha, os que possuíam rendas superiores era
bem cuidados em consultórios ou clínicas particulares. Muitos dos pacientes
mais pobres, entretanto só podiam arcar com visitas ocasionais aos médicos, e
os internamentos se faziam em hospitais locais, muitos deles ainda mantendo as
tradições das instituições de caridade. A ciência praticamente ainda não tocara
na medicina. Os raios X, por exemplo, só eram empregados ocasionalmente, não
havia antibióticos, e o tratamento ainda mantinha a tradição da flora
medicinal. As transfusões de sangue eram novidade. Não havia ‘’especialistas’’
e os médicos conhecidos eram chamados na qualidade de ‘’consultores’’,
esperando que eles cobrissem todo o espectro de doenças.
Ferido é levado a hospital em ambulância a motor.
Quando estourou a
guerra, as disponibilidades para o atendimento dos feridos eram bastante
inadequadas. Havia apenas 11 000 leitos de hospital em todo o império para uma
guerra que fez 6 milhões de doentes e deixou 2 milhões de feridos no Império
Britânico. Os problemas ocorriam com muita frequência, assim como os erros,
tais como o não envio de dentistas junto com a Força Expedicionária Britânica
na França. Na Inglaterra, a cooperação dos profissionais de medicina foi tal
que não foi necessário nenhum alistamento compulsório até 1916, e as mulheres
proporcionavam uma assistência médica voluntária extremamente eficiente. No fim
da guerra, o Serviço Médico Inglês contava com 144 000 membros e com 637 000
leitos de hospital.
As balas de alta
velocidade e os estilhaços produziam ferimentos graves. Enquanto os soldados
jaziam nos campos franceses, com frequência suas feridas se infeccionavam,
ocorrendo gangrena e tétano. Somente após dois anos se tornou evidente que o
melhor tratamento consistia em transferir rapidamente as baixas para hospitais
e extirpar os tecidos mortos. O raio X de ossos tornou-se usual. A cirurgia
dos ossos desenvolveu-se como um ramo altamente especializado. Apesar dos
capacetes de aço, 10% dos ferimentos eram na cabeça. A cirurgia dos olhos, da
face, do nariz e da garganta, juntamente com a cirurgia do cérebro e a
plástica, desenvolveu-se rapidamente sob o estímulo da luta, e muitos desses
cirurgiões se tornaram, depois, ‘’especialistas’’. A cirurgia abdominal avançou
pouco. As infecções matavam mais da metade dos atingidos por bala no estômago.
Muitas vidas teriam sido salvas se tivesse sido previsto um serviço de
transfusões, mas, por mais surpreendente que possa parecer, isto não foi feito.
Feridos alemães, em um castelo transformado em hospital, fazem exercícios físicos destinados a reensiná-los a andar.
Como nas guerras
anteriores, as doenças causavam mais baixas que os ataques do inimigo. Na
guerra sul-africana, por exemplo, esta proporção foi de quinze para uma. Na
Primeira Guerra Mundial, o número de baixas ocorridas fora de combate foi
reduzido para dois doentes para cada ferido, sobretudo graças ao controle das
doenças causadas por água contaminada (cólera, febre tifoide e disenteria),
prevenidas com a cloração da água potável. Ao mesmo tempo, começara a
imunização contra tifo. As moléstias causadas por insetos continuaram
importantes nas frentes do Mediterrâneo e dos trópicos. Houve 1 milhão de
mortes nos Bálcãs devidas ao tifo propagado pelo piolho. Na África oriental
alemã, mais da metade das forças se encontrava constantemente prostrada pela
malária. Isso contrasta de maneira marcante com as condições reinantes na
Segunda Guerra Mundial, após a descoberta do DDT (inseticida eficiente no
combate às doenças transmitidas por insetos).
Caricatura inglesa: ''O invasor secreto'' - a doença - que matava mais que os combates. Durante a guerra, a cólera e as doenças originadas pela água infectada foram, em parte, controladas.
O público inglês
ficou chocado ao descobrir que um em cada vinte soldados era recolhido ao
hospital para tratamento de doenças venéreas. No entanto, essa taxa não era
mais elevada do que a incidência geral na população antes da guerra, e metade
dos casos já se encontrava infectada antes de abandonar o país. Lorde Kitchener
tinha escrito um panfleto e distribuído a todos os soldados da Força
Expedicionária, encorajando a abstinência, mas, uma vez na França, as tropas
frequentavam as maisons de tolérance (bordéis
oficialmente reconhecidos) e, no Havre, sabe-se que 171 000 homens visitaram as
casas de uma única rua, durante um ano. Em 1918, a forte comoção pública, na
Inglaterra, levou ao fechamento desses bordéis. O tratamento de doenças
venéreas era primitivo e, frequentemente, transmitia-se a hepatite através de
instrumentos não esterilizados. Uma consequência posterior foi a introdução de
programas de erradicação de doenças venéreas nos Estados Unidos.
A guerra
introduziu muitos problemas médicos novos. Entre os mais complicados, os
distúrbios psiquiátricos. O esforços, a tensão e a exaustão produziram o
‘’choque de bomba’’ na frente. Os soldados acometidos desse mal frequentemente
tinham sofrido pesados bombardeios nas trincheiras, mas somente um quinto tinha
participado, efetivamente, de uma explosão. No fim do primeiro ano de guerra,
10% dos oficiais e 5% dos soldados admitidos em um hospital de Bolonha foram
enviados de volta para a Inglaterra sofrendo de ‘’choque de bomba’’. Foram
convocados psiquiatras para ajudar as tropas aliadas mais atingidas e, em 1917,
92% desses pacientes tinham retomado o serviço. O sucesso do tratamento não só
resultou no desaparecimento gradual do ‘’choque do bomba’’, enquanto causa
importante de invalidez, como obteve um reconhecimento geral da importância da
psiquiatria. A relação entre deserção no fronte e os efeitos no ‘’choque de
bomba’’ causava complicações: a deserção era punida com fuzilamento, mas, na
verdade, 89% dos que foram condenados à morte receberam o diagnóstico de
‘’choque de bomba’’ e, como os outros, foram para hospitais especiais. Em 1921,
ainda havia 65 000 homens recebendo pensões por causa de ‘’choque de bomba’’.
Também apareceu outra doença nova: a ‘’febre das trincheiras’’. Tinha muito em
comum com uma forte gripe. Sir David Bruce realizou experiências com
voluntários, em um hospital de Londres, e encontrou um fator nos excrementos do
piolho, que era a causa da doença.
Feridos de um hospital especial para soldados coloniais franceses sendo condecorados por sua coragem sob o fogo do inimigo.
A guerra de gases
acrescentou, subitamente, um total de 185 000 vítimas à carga já pesada dos
hospitais. Pelo feitos dos gases 9 000 morreram. Estes queimavam a pele ou
afetavam os pulmões e os condutos respiratórios, cerca de uma hora após terem
sido inalados. A pneumonia ou o fluido nos pulmões provocava a morte ou a
destruição permanente do tecido pulmonar. A guerra química estimulou uma enorme
quantidade de pesquisas, que aumentaram os conhecimentos da bioquímica e
farmacologia. Muitas drogas novas foram descobertas, inclusive o iodeto de
bismuto emético, uma das formas mais poderosas de combate à disenteria amébica.
A introdução dos vôos fez com que se estimulassem os estudos das funções do
coração e dos pulmões. Produziu-se o oxigênio líquido, depois usando em
anestesia.
No século passado,
a Alemanha tinha dado a maior contribuição para a medicina e a cirurgia, mas a
guerra modificou isto. A desilusão da derrota, acrescida da atração financeira
do exército profissional privado, impediu a recuperação da medicina alemã, e
muitos médicos chegaram mesmo a emigrar. Na Inglaterra os especialistas deram
novo impulso à medicina, enquanto, nos Estados Unidos, as equipes médicas se
tornaram comuns, por causa do sucesso de unidades desse tipo durante a guerra.
Acima de tudo, a
luta armada forçou a medicina a encarar novos problemas que só poderiam ser
resolvidos com métodos científicos, e com isso produziu a fusão da Ciência e da
Medicina o que transformou a vida nos cinquenta anos seguintes.
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