sábado, 15 de setembro de 2012

A Medicina e a Guerra



Entre 1900 e 1914, a medicina tinha mudado muito pouco. Na Inglaterra, o controle estatal da medicina acabava de ser instituído, com a introdução do Seguro Nacional de Saúde para homens com rendimentos inferiores a 2 libras por semana. Em comparação, desde o século anterior, existia um esquema de seguro médico compulsório na Alemanha. Na Grã-Bretanha, os que possuíam rendas superiores era bem cuidados em consultórios ou clínicas particulares. Muitos dos pacientes mais pobres, entretanto só podiam arcar com visitas ocasionais aos médicos, e os internamentos se faziam em hospitais locais, muitos deles ainda mantendo as tradições das instituições de caridade. A ciência praticamente ainda não tocara na medicina. Os raios X, por exemplo, só eram empregados ocasionalmente, não havia antibióticos, e o tratamento ainda mantinha a tradição da flora medicinal. As transfusões de sangue eram novidade. Não havia ‘’especialistas’’ e os médicos conhecidos eram chamados na qualidade de ‘’consultores’’, esperando que eles cobrissem todo o espectro de doenças. 

Ferido é levado a hospital em ambulância a motor.
Quando estourou a guerra, as disponibilidades para o atendimento dos feridos eram bastante inadequadas. Havia apenas 11 000 leitos de hospital em todo o império para uma guerra que fez 6 milhões de doentes e deixou 2 milhões de feridos no Império Britânico. Os problemas ocorriam com muita frequência, assim como os erros, tais como o não envio de dentistas junto com a Força Expedicionária Britânica na França. Na Inglaterra, a cooperação dos profissionais de medicina foi tal que não foi necessário nenhum alistamento compulsório até 1916, e as mulheres proporcionavam uma assistência médica voluntária extremamente eficiente. No fim da guerra, o Serviço Médico Inglês contava com 144 000 membros e com 637 000 leitos de hospital.
As balas de alta velocidade e os estilhaços produziam ferimentos graves. Enquanto os soldados jaziam nos campos franceses, com frequência suas feridas se infeccionavam, ocorrendo gangrena e tétano. Somente após dois anos se tornou evidente que o melhor tratamento consistia em transferir rapidamente as baixas para hospitais e extirpar os tecidos mortos. O raio X de ossos tornou-se usual. A cirurgia dos ossos desenvolveu-se como um ramo altamente especializado. Apesar dos capacetes de aço, 10% dos ferimentos eram na cabeça. A cirurgia dos olhos, da face, do nariz e da garganta, juntamente com a cirurgia do cérebro e a plástica, desenvolveu-se rapidamente sob o estímulo da luta, e muitos desses cirurgiões se tornaram, depois, ‘’especialistas’’. A cirurgia abdominal avançou pouco. As infecções matavam mais da metade dos atingidos por bala no estômago. Muitas vidas teriam sido salvas se tivesse sido previsto um serviço de transfusões, mas, por mais surpreendente que possa parecer, isto não foi feito.

Feridos alemães, em um castelo transformado em hospital, fazem exercícios físicos destinados a reensiná-los a andar.

Como nas guerras anteriores, as doenças causavam mais baixas que os ataques do inimigo. Na guerra sul-africana, por exemplo, esta proporção foi de quinze para uma. Na Primeira Guerra Mundial, o número de baixas ocorridas fora de combate foi reduzido para dois doentes para cada ferido, sobretudo graças ao controle das doenças causadas por água contaminada (cólera, febre tifoide e disenteria), prevenidas com a cloração da água potável. Ao mesmo tempo, começara a imunização contra tifo. As moléstias causadas por insetos continuaram importantes nas frentes do Mediterrâneo e dos trópicos. Houve 1 milhão de mortes nos Bálcãs devidas ao tifo propagado pelo piolho. Na África oriental alemã, mais da metade das forças se encontrava constantemente prostrada pela malária. Isso contrasta de maneira marcante com as condições reinantes na Segunda Guerra Mundial, após a descoberta do DDT (inseticida eficiente no combate às doenças transmitidas por insetos).

Caricatura inglesa: ''O invasor secreto'' - a doença - que matava mais que os combates. Durante a guerra, a cólera e as doenças originadas pela água infectada foram, em parte, controladas.

O público inglês ficou chocado ao descobrir que um em cada vinte soldados era recolhido ao hospital para tratamento de doenças venéreas. No entanto, essa taxa não era mais elevada do que a incidência geral na população antes da guerra, e metade dos casos já se encontrava infectada antes de abandonar o país. Lorde Kitchener tinha escrito um panfleto e distribuído a todos os soldados da Força Expedicionária, encorajando a abstinência, mas, uma vez na França, as tropas frequentavam as maisons de tolérance (bordéis oficialmente reconhecidos) e, no Havre, sabe-se que 171 000 homens visitaram as casas de uma única rua, durante um ano. Em 1918, a forte comoção pública, na Inglaterra, levou ao fechamento desses bordéis. O tratamento de doenças venéreas era primitivo e, frequentemente, transmitia-se a hepatite através de instrumentos não esterilizados. Uma consequência posterior foi a introdução de programas de erradicação de doenças venéreas nos Estados Unidos.
A guerra introduziu muitos problemas médicos novos. Entre os mais complicados, os distúrbios psiquiátricos. O esforços, a tensão e a exaustão produziram o ‘’choque de bomba’’ na frente. Os soldados acometidos desse mal frequentemente tinham sofrido pesados bombardeios nas trincheiras, mas somente um quinto tinha participado, efetivamente, de uma explosão. No fim do primeiro ano de guerra, 10% dos oficiais e 5% dos soldados admitidos em um hospital de Bolonha foram enviados de volta para a Inglaterra sofrendo de ‘’choque de bomba’’. Foram convocados psiquiatras para ajudar as tropas aliadas mais atingidas e, em 1917, 92% desses pacientes tinham retomado o serviço. O sucesso do tratamento não só resultou no desaparecimento gradual do ‘’choque do bomba’’, enquanto causa importante de invalidez, como obteve um reconhecimento geral da importância da psiquiatria. A relação entre deserção no fronte e os efeitos no ‘’choque de bomba’’ causava complicações: a deserção era punida com fuzilamento, mas, na verdade, 89% dos que foram condenados à morte receberam o diagnóstico de ‘’choque de bomba’’ e, como os outros, foram para hospitais especiais. Em 1921, ainda havia 65 000 homens recebendo pensões por causa de ‘’choque de bomba’’. Também apareceu outra doença nova: a ‘’febre das trincheiras’’. Tinha muito em comum com uma forte gripe. Sir David Bruce realizou experiências com voluntários, em um hospital de Londres, e encontrou um fator nos excrementos do piolho, que era a causa da doença.

Feridos de um hospital especial para soldados coloniais franceses sendo condecorados por sua coragem sob o fogo do inimigo.
A guerra de gases acrescentou, subitamente, um total de 185 000 vítimas à carga já pesada dos hospitais. Pelo feitos dos gases 9 000 morreram. Estes queimavam a pele ou afetavam os pulmões e os condutos respiratórios, cerca de uma hora após terem sido inalados. A pneumonia ou o fluido nos pulmões provocava a morte ou a destruição permanente do tecido pulmonar. A guerra química estimulou uma enorme quantidade de pesquisas, que aumentaram os conhecimentos da bioquímica e farmacologia. Muitas drogas novas foram descobertas, inclusive o iodeto de bismuto emético, uma das formas mais poderosas de combate à disenteria amébica. A introdução dos vôos fez com que se estimulassem os estudos das funções do coração e dos pulmões. Produziu-se o oxigênio líquido, depois usando em anestesia.
No século passado, a Alemanha tinha dado a maior contribuição para a medicina e a cirurgia, mas a guerra modificou isto. A desilusão da derrota, acrescida da atração financeira do exército profissional privado, impediu a recuperação da medicina alemã, e muitos médicos chegaram mesmo a emigrar. Na Inglaterra os especialistas deram novo impulso à medicina, enquanto, nos Estados Unidos, as equipes médicas se tornaram comuns, por causa do sucesso de unidades desse tipo durante a guerra.
Acima de tudo, a luta armada forçou a medicina a encarar novos problemas que só poderiam ser resolvidos com métodos científicos, e com isso produziu a fusão da Ciência e da Medicina o que transformou a vida nos cinquenta anos seguintes. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário