Uma
das mais poderosas armas da Medicina contra as infecções foi descoberta por
acaso: no mofo de uma cultura de bactérias que estragou uma pesquisa.
Há 84 anos, um simpático senhor escocês, de cabelos grisalhos e olhos azuis, trabalhava no laboratório do Hospital St. Mary, em Londres. Durante dias, ele observou o comportamento de uma cultura de Staphylococcus aureus, o temível bacilo que causa infecção generalizada. Por isso, não pôde conter um gesto de impaciência ao perceber certa manhã que, apesar de todas as precauções, sua experiência literalmente mofara. O calor excepcional do verão que derreteu os londrinos naquele agosto de 1928 também foi o responsável pelo nascimento do fungo verde de mofo na placa das bactérias.
Mas Alexander Fleming – este era o nome do pesquisador
escocês, na época com 47 anos – não se deixou desanimar por causa do acidente.
Ao contrário, soube aproveitá-lo. Perceberam que as bactérias morreram por
causa do fungo Penicillium notattum. Depois de isolá-lo, Fleming descobriu que ele continha uma substância
capaz de matar muitas das bactérias comuns que infectam o homem. Essa
substância, que Fleming chamou de penicilina, impede a formação das moléculas
de carbono que formar a membrana da bactéria. Quando esta se divide, sua parede
vai ficando mais fina até estourar, deixando escapar o citoplasma do interior. Foi
assim praticamente por acaso, que o mundo ingressou na era dos antibióticos –
palavra inventada treze anos depois da descoberta de Fleming e que designa uma
das armas mais poderosas de que a medicina dispõe para salvar vidas.
Alexander Fleming, pai da penicilina.
As estatísticas do Departamento de Saúde dos Estados
Unidos mostram que nos quinze anos após a entrada em cena dos antibióticos foram
salvos da morte precoce 1,5 milhão de norte-americanos. No Hospital Emílo
Ribas, em São Paulo, que trata exclusivamente de doenças infecto-contagiosas,
as mortes por febre tifoide baixaram de 14% para 0,7% no mesmo período. Fleming
chegou a ser motivo de piada, pois, na ânsia de dar um sentido prático a sua
descoberta, comprava qualquer objeto mofado que visse pela frente, até mesmo
galochas e tecido velho de guarda chuva, para fazer experiências. Foram dez
anos de tentativas frustradas, até que, em 1938, dois colegas de Fleming, o
australiano Howard Florey (1898-1968) e o alemão naturalizado inglês Ernst Boris
Chain (1906-1979) , junto com colaboradores da Universidade de Oxford,
conseguiram obter 1 grama de penicilina pura. A persistência de Fleming
acabaria recompensada. Além de ser agraciado com o título de sir pelo rei Jorge VI, ele, junto com
Florey e Chain, ganhou o Prêmio Nobel de Medicina em 1945 pela descoberta e
aplicação do antibiótico.
Enquanto Florey e Chain isolavam a penicilina em Oxford, Estourou a Segunda Guerra Mundial. Ironicamente, a carnificina em que mergulhou mundo funcionou como estímulo ao desenvolvimento do remédio, pois, para cura tantos soldados feridos, o fungo de onde se extrai a penicilina passou a ser procurar por toda parte. Logo os laboratórios farmacêuticos descobriram a surpreendente fonte de onde poderia ser produzido em grandes quantidades – melões podres.
Gráfico da relação do número de bactérias com e sem antibióticos.
Enquanto Florey e Chain isolavam a penicilina em Oxford, Estourou a Segunda Guerra Mundial. Ironicamente, a carnificina em que mergulhou mundo funcionou como estímulo ao desenvolvimento do remédio, pois, para cura tantos soldados feridos, o fungo de onde se extrai a penicilina passou a ser procurar por toda parte. Logo os laboratórios farmacêuticos descobriram a surpreendente fonte de onde poderia ser produzido em grandes quantidades – melões podres.
Por causa dos melões, uma funcionária do laboratório
Northern Regional Reserch foi considerada excêntrica pelos quitandeiros da
cidade de Peoria, em Illinois, Estados Unidos. Ela sempre procurava as frutas
mais velhas e estragadas das quitandas. Infelizmente para os vendedores, depois
de alguns meses a funcionária deixou de procurá-los: os laboratórios já não
precisavam de melões, pois estocavam o Penicillium
notatum em grandes tanques de fermentação, de onde extraíram o
medicamento em quantidade suficiente para que os Aliados ganhassem a guerra também
contra as infecções. Hoje, os métodos se aperfeiçoaram muito mais: já existem
seis variedades de penicilina sintética fabricada em laboratório.
Os antibióticos, porém, têm os defeitos de suas virtudes.
Podem destruir, junto com as bactérias indesejáveis, a flora intestinal do paciente.
Também podem provocar alergias, atacar os rins, perturbar o fígado, o aparelho
digestivo e a composição do sangue. Quando administrados a crianças, os antibióticos
da família das tetraciclinas costumam enfraquecer os ossos e manchar o esmalte dentário.
Consumidos por gestantes, tendem a provocar má formação dos embriões.
Cristais de penicilina vistos pelo microscópio.
O uso indiscriminado de antibióticos tem outro lado
nocivo – induz um aumento no número de bactérias resistentes. Como numa guerra
interminável, os cientistas criam armas cada vez mais destrutivas, enquanto os microrganismos
fazem armaduras cada vez mais resistentes. Numa população de bilhões de
bactérias, sempre existirão aquelas capazes de resistência a antibióticos.
Quando se usa o remédio, as bactérias vulneráveis morrem, enquanto as
resistentes se multiplicam, passando às novas gerações a imunidade adquirida
aos antibióticos.
Até a década de 60, os cientistas acreditavam que a resistência
ocorria apenas por causa de mecanismos de seleção genética. Atualmente se
conhece outro mecanismo muito mais importante, que consiste na transferência de
fatores de resistência de uma bactéria para outra da mesma geração. O papel-chave
nesta operação é representado pelos plasmídeos, partículas de DNA (ácido
desoxidorribonucléico) situadas no citoplasma das células bacterianas. Os plasmídeos
carregam informações genéticas de um microrganismo a outro e são responsáveis
pela produção, em determinados casos, de enzimas especiais que bloqueiam a ação
dos antibióticos. Esta descoberta permitiu melhorar as novas gerações de
antibióticos. Mas não eliminou o círculo vicioso. Enquanto os cientistas tratam
de superar a resistência dos plasmídeos, as bactérias acumulam forças para se
defender dos novos atacantes.
A medicina não ficou parada desde a época em que
Fleming, falecido em 1955 aos 74 anos, procurava objetos mofados para extrair
fungos em quantidade suficiente para fabricar penicilina. Os laboratórios
descobriram novos antibióticos e souberam produzi-los em grande quantidade. Diante
da resistência das bactérias, criaram remédios ainda mais espertos. A mais
recente geração, em vez de matar a bactéria, inibe as enzimas que lhe dão
condições de resistir ao antibiótico. A medicina está em vantagem na batalha
contra as doenças infecciosas. Mas a guerra ainda não está ganha.
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