O Brasil é a lixeira tóxica do planeta. Desde 2008, somos os
maiores consumidores globais de insumos químicos para agricultura. Substâncias
já proibidas em vários países encontram mercado fértil em terras brasileiras.
O Brasil vive um drama: ao acordar do sonho de uma economia
agrária pujante, o país desperta para o pesadelo de ser, pelo quinto ano
consecutivo, o maior consumidor de agrotóxicos do planeta. Balança comercial
tinindo; agricultura a todo vapor. Mas quanto custa, por exemplo, uma saca de
milho, soja ou algodão? Será que o preço de taiscommodities – que há
tempos são o motor de uma economia primária à la colonialismo moderno –
compensa os prejuízos sociais e ambientais negligenciados nos cálculos do
comércio internacional?
“Pergunta difícil”, diz o economista Wagner Soares, do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A Bolsa de Chicago
define o preço da soja; mas não considera que, para se produzir cada saca, são
aplicadas generosas doses de agrotóxicos que permanecem no ambiente natural – e
no ser humano – por anos ou mesmo décadas.
“Ao final das contas, quem paga pela intoxicação dos
trabalhadores e pela contaminação ambiental é a sociedade”, afirma Soares. Em
seu melhor economês, ele garante que as “externalidades negativas” de nosso
modelo agrário continuam de fora dos cálculos.
Segundo o economista do IBGE, que recentemente estudou
propriedades rurais no Paraná, cada dólar gasto na compra de agrotóxicos pode
custar aos cofres públicos 1,28 dólar em futuros gastos com a saúde de
camponeses intoxicados.
Mas este é um valor subestimado. Afinal, Soares contabilizou
apenas os custos referentes a intoxicações agudas. Levando-se em conta os casos
crônicos, acrescidos da contaminação ambiental difusa nos ecossistemas, os
prejuízos podem atingir cifras assustadoramente maiores. “Estamos há décadas
inseridos nesse modelo agrário, e estudos mensurando seus reais custos
socioambientais são raros ou inexistentes”, diz.
“Estamos há décadas inseridos nesse modelo agrário, e
estudos mensurando seus reais custos socioambientais são raros ou inexistentes”
Seja na agricultura familiar, seja nas grandes propriedades
rurais, “os impactos dos agrotóxicos na saúde pública abrangem vastos
territórios e envolvem diferentes grupos populacionais”, afirma dossiê
publicado em abril pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco),
entidade que reúne pesquisadores de diversas universidades do país.
Milhares de casos de contaminação são registrados todos os
anos pelo Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas, gerido pela
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pelo Sistema de Notificações em Vigilância
Sanitária, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Mas, segundo a
Organização Mundial da Saúde, para cada 50 quadros de intoxicação por
agrotóxico no mundo, apenas 1 é notificado.
Não são apenas agricultores e suas famílias que integram
grupos de risco. Todos os milhares de profissionais envolvidos no comércio e
manipulação dessas substâncias são potenciais vítimas. E, além deles, “todos
nós, diariamente, a cada refeição, ingerimos princípios ativos de agrotóxicos
em nossos alimentos”, garante a médica Raquel Rigotto, da Universidade Federal
do Ceará (UFC). O agricultor Jeferson Matias da Rosa, de Boa Vista das Missões
(RS), reafirma: “Hoje, todo mundo come veneno”.
Nenhuma novidade até aqui. O que nem todos sabem é que o
Brasil é destino certo para insumos agroquímicos que, por elevados graus de
toxicidade, já foram banidos em diversos países.
Veneno nosso de cada dia
Estão registrados no mercado brasileiro 434 ingredientes
ativos, que, combinados, resultam em pelo menos 2.400 formulações de
agrotóxicos amplamente utilizadas em nossas lavouras. O cardápio é eclético:
inseticidas, fungicidas, herbicidas, nematicidas, acaricidas, rodenticidas,
moluscidas, formicidas e por aí vai – os responsáveis pela regulação e controle
de tais produtos são os ministérios da Saúde (MS), da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA) e do Meio Ambiente (MMA).
Das 50 substâncias mais usadas em terras brasileiras, 24 já
foram banidas nos Estados Unidos, Canadá, Europa e, algumas, mesmo na Ásia.
Atualmente, apenas 14 delas estão em processo de reavaliação pela Anvisa –
procedimento que se arrasta desde 2008.
Alguns notórios destaques: o endossulfam, amplamente
utilizado em culturas de soja, café, algodão e cacau, é sucesso de vendas no
Brasil. Se as previsões da Anvisa se concretizarem, seu uso será banido – como
já é em 45 países – até 31 de julho de 2013. É um provável desregulador
endócrino, responsável também por danos irreparáveis ao sistema reprodutivo.
A cihexatina, empregada até muito recentemente em plantações
de café, laranja, maçã, morango e pêssego, também entrou para a lista negra da
Anvisa, e foi proibida somente no final de 2011. Carcinogênica e neurotóxica, a
substância é ilegal na Austrália, China, Japão, Tailândia, Líbia, Paquistão,
Canadá e Estados Unidos.
“É inaceitável que o Brasil continue sendo a grande ‘lixeira
tóxica’ do planeta”
Não menos emblemático é o caso do metamidofós, poderoso
genotóxico e neurotóxico, já proibido na Europa, China, Índia e Indonésia.
Usado principalmente em plantações de alface e tomate, sua comercialização, por
aqui, só foi proibida em junho último.
Os demais 11 produtos na mira da Anvisa estão devidamente
elencados no relatório da Abrasco, disponível no sítio da instituição – que
lançou, recentemente, em parceria com a Fiocruz e dezenas de instituições pelo
Brasil afora, o Abaixo-assinado por banimento de banidos. A ideia é cobrar
do governo federal a proibição dos princípios ativos já vetados em outros
países. “É inaceitável que o Brasil continue sendo a grande ‘lixeira tóxica’ do
planeta”, lê-se no documento.
Galo Mamífero
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